É ilegal o uso da TABELA PRICE por construtoras ou incorporadoras
- Tiago Andrade
- 31 de mar. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 20 de mai. de 2023

A decisão de comprar um imóvel deve ser muito bem compreendida pelo adquirente, principalmente se este for obtido de forma parcelada. É característica deste tipo de aquisição a assunção de uma obrigação por longo período de tempo.
Muitos compradores de imóveis assinam contratos com incorporadoras e construtoras sem ter pleno conhecimento de como funcionará a atualização do saldo devedor durante o período de vigência do contrato.
Antes de decidir comprar um imóvel, primeiro é preciso verificar a sua capacidade de pagar obrigação que irá assumir em contrato de compra e venda.
O que é a amortização?
Para que seja possível a compreensão do tema, inicialmente se faz necessário esclarecer o que é sistema de amortização. Esse ponto é tão importante que o VII do art. 35-A da Lei das Incorporações obriga às incorporadoras que o indique expressamente no quadro resumo. Veja-se:
“Art. 35-A. Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária serão iniciados por quadro-resumo, que deverá conter:
VII - as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;
O sistema de amortização é a forma de cálculo que será utilizada para definir como sua dívida será quitada ao longo do período de parcelamento. O mais importante é que o sistema de amortização escolhido irá definir quais partes da parcela serão fixas e quais serão variáveis.
Existem diversos sistemas de amortização, neste artigo irei tratar dos dois mais utilizados pelo mercado imobiliário, são eles a Tabela Price (SAF) e o Sistema de Amortização Constante (SAC).
O que é a Tabela Price e o SAC?
Adiante apresentamos a principais diferenças entre ambos os sistemas de amortização:
Sistema de amortização constante (SAC):
1. A amortização do saldo devedor será fixa (constante), ou seja, todo mês sua dívida será reduzida pelo mesmo valor até a quitação total.
2. O valor da parcela é variável, sendo maior no início e reduzindo ao longo do tempo.
3. Paga-se menos juros considerando o total da dívida comparativamente com a Tabela Price.
4. Em regra, os juros serão simples e a taxa efetiva (pode caracterizar juros compostos a depender da forma de cálculo).
Sistema de amortização Francês (PRICE):
1. A amortização do saldo devedor será variável, sendo menor no início e aumentando ao longo do tempo;
2. O valor da parcela é fixo, permanecendo o mesmo até o final do pagamento.
3. Paga-se mais juros considerando o total da dívida em comparação com o SAC.
4. Os juros serão sempre compostos (juros sobre juros), e a taxa de juros nominal.
Qual a diferença entre tabela Price e SAC?
Importante que o comprador entenda a diferença entre os institutos e como isso irá interferir diretamente em sua dívida. Inicialmente esclareço que o uso da Tabela Price por incorporadoras e construtoras é prática abusiva por caracterizar a dissimulação de juros compostos em seu contrato, ou seja, só é permitida sua utilização por instituições financeiras e de crédito.
O Sistema de Amortização Constante (SAC) também pode caracterizar prática abusiva, alguns Tribunais Estaduais não aceitam a sua utilização por construtoras ou incorporadoras na amortização do saldo devedor.
Por conseguinte, faremos uma simulação de pagamento por meio do Sistema de Amortização Constante e pela Tabela Price de um saldo devedor de R$ 10.000,00 a ser pago em 4 meses com uma taxa de juros anual de 60% e mensal de 3,994% (efetiva) e 5% (nominal):

Qual a vantagem da Tabela Price e do SAC?
É possível perceber que o valor da dívida irá variar de acordo com a escolha do sistema de amortização, sendo que a Tabela Price por gerar a certeza da incidência de juros compostos acarreta um montante total maior de juros a ser pago, ainda que a parcela seja fixa durante todo o financiamento.
Essa diferença pode ser expressiva em financiamentos com saldo devedor acima de R$ 200.000,00 e de longa duração (15 anos ou mais).
À vista disso, a escolha do comprador se resume a duas questões:
a) Pagar uma parcela fixa e em contrapartida, mais juros ao final (Price); ou
b) Pagar uma parcela maior no início que será gradativamente reduzida acarretando menos juros totais ao final (SAC).
Não podemos esquecer que também incidirá a correção monetária nas parcelas do contrato, que poderão ocorrer mensalmente ou anualmente, a depender do prazo de vigência do pacto com a incorporadora.
Para o comprador de imóvel não existe qualquer vantagem nas amortizações tendo em vista que os precedentes dos Tribunais entendem que a utilização de ambos os sistemas (Price ou Sac) são práticas abusivas, ou seja, proibida a utilização por incorporadoras e construtoras.
Saliento que, este entendimento não se aplica para financiamentos com instituições financeiras (bancos e cooperativas de crédito), pois estas são tuteladas por legislação distinta que autoriza a prática da capitalização de juros.
Como será a periodicidade da correção monetária das parcelas?
O reajuste em contratos de financiamento imobiliário é previsto no art. 46 da Lei n. 10.931/2004 que permite a correção monetária mensal apenas em contratos com prazo superior a 36 (trinta e seis meses):
Art. 46. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.
Desse modo, para que uma incorporadora possa realizar a correção mensal da obrigação contratual, entre a data do pagamento da primeira parcela e a data do pagamento da última parcela, terá que ocorrer a fluência de um prazo mínimo de 3 anos. Se o requisito não for cumprido é obrigatória a atualização anual da correção monetária das parcelas e no saldo devedor.
Importante chamar a atenção que, se o contrato não possuir prazo mínimo de 12 meses de duração fica totalmente proibido qualquer tipo de correção nas parcelas em decorrência da proibição expressa da Lei do Plano Real (art. 28, § 1º da Lei n. 9.069/95):
Art. 28. Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual.
§ 1º É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de correção monetária cuja periodicidade seja inferior a um ano.
Corroborando esse entendimento apresentamos uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo contra uma incorporadora:
APELAÇÃO. CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO. INDENIZAÇÃO. [...]. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. [...]Mera atualização monetária destinada à recomposição do saldo devedor corroído pela inflação do período. Índice previsto (INCC) que se mostra adequado no período de construção, mas que deve ser substituído a partir da mora da ré, na medida em que onera excessivamente o consumidor. Substituição pelo IGP-M a partir do atraso. PERIODICIDADE. Contrato de prazo inferior a 36 meses. Reajuste com periodicidade anual. Inteligência do art. 46 da Lei 10.931/04, devendo a atualização mensal ser substituída pela anual, conforme artigo 28 e § 1º da Lei 9.069/95. Montante a ser restituído que deverá ser apurado em liquidação de sentença. Sentença parcialmente reformada. Readequação da sucumbência. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - APL: 00095834120128260114 SP 0009583-41.2012.8.26.0114, Relator: Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira, Data de Julgamento: 23/10/2018, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/11/2018).(grifo nosso).
Portanto, a correção das parcelas será legal quando seguir a seguinte regra:

O alongamento artificial do contrato é prática abusiva
Imagine que você adquiriu um imóvel no valor de R$ 300.000,00 na data de 05/05/2019. Os pagamentos foram acordados da seguinte forma:
1) 01 sinal de R$ 50.000,00 na assinatura do contrato em 05/05/2019
2) 10 Parcelas mensais e sucessivas de R$ 10.000,00, iniciando em 05/06/2019 até 05/03/2020;
3) Quitação do saldo devedor de R$ 150.000,00 na entrega das chaves por meio de financiamento bancário, que ocorreu em 28/10/2021.
A correção monetária do saldo devedor e das parcelas será anual ou mensal?
Vejamos, o primeiro pagamento ocorreu em 05/05/2019, considerando a necessidade do prazo de 36 meses, só seria possível a correção mensal se houvesse uma parcela após a data de 05/05/2022. Portanto, não cumprido o requisito da lei, a correção deverá ser anual.
A parcela referente ao financiamento bancário é contada como um único pagamento à incorporadora, ou seja, não é levado em consideração o prazo de parcelamento (10 a 30 anos em regra) do financiamento imobiliário com a instituição financeira.
Com a finalidade de lesar compradores algumas incorporadoras inescrupulosas criaram uma ilegalidade chamada de “alongamento artificial do contrato” com a finalidade de realizar a correção mensal das parcelas, enganando o consumidor sobre o requisito da lei.
A ilegalidade funciona criando uma parcela de valor pequeno ao final do contrato, posterior ao prazo de 36 meses.
Para que fique fácil a compreensão utilizaremos do mesmo exemplo acima:
1) 01 sinal de R$ 50.000,00 na assinatura do contrato em 05/05/2019
2) 10 Parcelas mensais e sucessivas, de R$ 10.000,00 iniciando em 05/06/2019 até 05/03/2020;
3) Pagamento de parcela única de R$ 149.500,00 na entrega das chaves, que ocorreu em 28/10/2021;
4) 01 Parcela final de R$ 500,00 na data de 05/09/2022.
Nessa hipótese o contrato teve uma vigência de 40 meses, logo seria possível a correção mensal da parcela e do saldo devedor. Ocorre que esta parcela final tem como única finalidade alongar o lapso temporal do contrato para permitir a aplicação da correção mensal. É uma prática abusiva realizada contra o comprador.
Os Tribunais não aceitam este ardil das incorporadoras e anulam as extensões virtuais de contratos. Veja-se:
APELAÇÃO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. CORREÇÃO MONETÁRIA COM PERIODICIDADE MENSAL. Descabimento. É vedado o reajuste mensal das parcelas do preço do imóvel em contratos com prazo inferior a 36 meses. Ademais, são nulas de pleno direito quaisquer previsões destinadas a burlar o requisito necessário à validade da correção monetária com periodicidade mensal. Inteligência dos arts. 46 e 47 da Lei 10.931/2004. Caso concreto em que restou evidenciado o ardil na ampliação proposital do prazo contratual para permitir o reajustamento mensal das parcelas do preço ajustado. Última parcela com valor ínfimo e data de vencimento sete meses após o vencimento da penúltima parcela. Má-fé caracterizada. Restituição em dobro dos valores pagos a maior devida, considerando-se a incidência de correção monetária anual. Precedentes desta E. Corte. Sentença mantida. SUCUMBÊNCIA. Fixação de honorários recursais, segundo disposições do art. 85, § 11, CPC/2015. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10031093120198260554 SP 1003109-31.2019.8.26.0554, Relator: Rosangela Telles, Data de Julgamento: 10/03/2020, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/03/2020).
À vista disso, se a incorporadora não cumpre com os requisitos legais é direito do comprador em ser ressarcido de todas as cobranças indevidas realizadas, que ocorrerá por meio de ação revisional a ser apresentada na Justiça Estadual do local do imóvel.
Construtora aplicou Tabela Price em meu contrato, e agora?
Se houve a prática de abusividade por empresa do mercado imobiliário por meio de aplicação da Tabela Price ou correção mensal indevida da prestação, a lei autoriza o consumidor comprador de imóvel lesado à ingressar com a ação revisional imobiliária com a finalidade de requerer a restituição de todos os pagamentos indevidos cobrados pela empresa.
Para tanto, o prejudicado deverá procurar um advogado imobiliário online especialista em direito imobiliário que irá entrar com um processo contra a empresa com fundamento nas ilegalidades praticadas.
Conclusão
Se você se identificou com o conteúdo desse post, fico a disposição para lhe atender nos meus canais de contato que estão espalhados pelo site. Pode enviar um e-mail para: tiagoand.adv@gmail.com e tenha atendimento com um advogado imobiliário online.
Resolvendo problemas com soluções jurídicas inteligentes no mercado imobiliário no Estado de São Paulo e Santa Catarina.
Um forte abraço!