A impossibilidade de desapropriação de imóvel rural produtivo para fins de reforma agrária
- Tiago Krejci
- 9 de set. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 2 de mar. de 2023

A desapropriação é a perda da propriedade por iniciativa do ente público com a finalidade de resguardar uma utilidade pública ou interesse estatal. Em regra, o instituto não caracteriza uma sanção em decorrência da garantia da indenização ao prejudicado, nos termos do (art. 5º, XXIV CF/88):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
Na hipótese de desapropriação para fins de reforma agrária em imóvel que não esteja atendendo sua função social, a expropriação será realizada pela União, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, resgatáveis no prazo máximo de 20 anos, conforme art. 184 da CF/1988:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
Inicialmente é necessário verificar a legitimidade da desapropriação para fins de reforma agrária, se realizada por município ou Estado, há manifesto vício no procedimento, pois à competência para desapropriar pertence à União de acordo o art.184 da CF/1988 e precedente do Superior Tribunal de Justiça. Veja-se:
CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA, POR INTERESSE SOCIAL. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO. ARTS. 22, I e II, E 184, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
1. Recurso Ordinário em Ação Mandamental contra v. Acórdão que entendeu ser viável, ao Estado, desapropriar por interesse social, mesmo com o objetivo expresso de promover melhor distribuição de terras.
2. Dispõe o art. 22, I e II, da CF/1988: "Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; II – desapropriação".
3. O art. 184 e seu § 2º, da Carta Magna estatui que: "Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. § 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação".
4. A questão da desapropriação para fins de reforma agrária é normatizada, com clareza e por inteiro, em apenas dois dispositivos constitucionais (art. 184 e 185). Só há duas espécies de propriedades que poderiam ser, em tese, desapropriadas para fins de reforma agrária: as produtivas e as improdutivas. Quanto às propriedades improdutivas, o art. 184 da Constituição Federal estabelece competência exclusiva da União para realizar a reforma agrária. No tocante à propriedade produtiva, há regra constitucional clara e, pois, insuscetível de interpretação: competência dos Municípios, dos Estados e da própria União para desapropriação para fins de reforma agrária das propriedades produtivas. Não há uma outra espécie de desapropriação para fins de reforma agrária contemplada no art. 5º, XXIV, da Carta Política, visto que o art. 185, que tem de ser lido em conjunto com o inciso XXIV, do art. 5º, afasta esta aplicabilidade.
5. Os aspectos pertinentes à reforma agrária encontram-se bem delineados pela Carta Maior, não podendo o seu conteúdo ser minimizado ou alterado por legislação ordinária – ou sua interpretação.
6. Considerando-se que a Constituição conferiu, com exclusividade, à União, competência para desapropriar, por interesse social, imóveis rurais, com a finalidade de promover a reforma agrária, qualquer ato do ente federado que tenha o mesmo objetivo nasce eivado de nulidade.
7. Não se pode opor, contra a constatação, a forma de indenizar, que, na espécie, não envolve títulos da dívida agrária, destinados à sanção prevista no art. 184 da CF/88. Estando evidente a intenção do Estado de abrigar, nas áreas expropriadas, rurícolas e trabalhadores sem terra, o fim a que se destinam é, concretamente, a reforma agrária. Por outro lado, se a finalidade é parte integrante do ato administrativo, deve-e observar os limites da competência administrativa definidos no Sistema, não havendo a possibilidade de criar, o administrador, forma híbrida de atuação e, tampouco, disfarçá-la em modalidade diversa da que personifica.
8. In casu, a reforma agrária, política de ordem fundiária estatuída pela Carta Constitucional, e de competência privativa da União, teve pelo Decreto Estadual nº 41.241 uma total invasão legislativa, em flagrante colisão com o art. 184, da CF/1988, visto que, tanto o Estado como o Distrito Federal e o Município podem desapropriar imóvel rural, por interesse social, desde que não seja para reforma agrária.
9. Não há, com isso, interpretação dos arts. 5º, XXIV, e 184, da Carta Magna, que estabeleçam a concorrência legislativa, visto que este último dispositivo é excepcional, porque não se visualiza outro tipo de desapropriação, em se tratando de reforma agrária, que não a desapropriação-sanção. Assim o digo porque só é permitida a desapropriação do latifúndio improdutivo, e ninguém almeja ver sua terra, em sã consciência, desapropriada por livre e espontânea vontade.
10. "A Constituição Federal de 1988 veio a espancar qualquer dúvida que ainda pudesse existir sobre a possibilidade de outras entidades políticas, que não a União, promoverem a desapropriação por interesse social, deixando claro que apenas a expropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, é que é privativa da União." (José Carlos de Moraes Salles, in "A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência", RT, pg. 902, 4ª ed.)
11. Recurso provido, para conceder a segurança.( ROMS 15545 / RS, Orgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA, Relator Min. JOSÉ DELGADO DJ12/05/2003, P. 213).
Além disso, existe previsão Constitucional expressa proibindo a desapropriação para fins de reforma agrária de imóvel produtivo no art.185, II:
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
Portanto, é necessária a obediência aos requisitos, que são cumulativos, ou seja, para que torne possível um imóvel rural ser desapropriado para fins de reforma agrária, deverá atender a dois critérios: expressiva extensão territorial (mais de 15 módulos fiscais) ou não se tratar do único imóvel rural do proprietário; e ser improdutivo.
À vista disso, se o produtor rural detentor de imóvel produtivo tiver deflagrado contra si processo de desapropriação para fins de reforma agrária, é possível se defender por meio das formas de impugnação processuais disponíveis no ordenamento jurídico, que irá variar de acordo com o caso concreto, e desde que existente a prova da destinação agropecuária ou extrativista da propriedade ou vício de legitimidade no procedimento.
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