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O direito ao arrependimento na compra de imóvel no regime da incorporação imobiliária

  • Foto do escritor: Tiago Andrade
    Tiago Andrade
  • 15 de dez. de 2022
  • 13 min de leitura

Atualizado: 4 de abr. de 2023



Resumo:

O artigo tem por finalidade analisar a possibilidade do direito de arrependimento nas hipóteses de aquisição de imóveis na planta, diretamente de incorporadoras, pelo consumidor adquirente tendo em vista a aplicação da legislação consumerista na relação jurídica da promessa de compra e venda entabulada entre as partes. É realizado o enfrentamento do tema sob a ótima da Lei das Incorporações, do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, dando ênfase em diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça na matéria, anteriormente e posteriormente a edição da Lei do Distrato. Por fim, se reconhece a possibilidade do exercício do direito potestativo ao arrependimento.

Palavras-chaves: Distrato; incorporações; contratos; arrependimento.


1. INTRODUÇÃO


A possibilidade de desistência da compra de imóvel na planta adquirido diretamente do incorporador é objeto de diversos embates doutrinários e jurisprudências ao longo das últimas duas décadas.


De um lado, as incorporadoras que defendem a irretratabilidade do ajuste haja vista a previsão normativa expressa do § 2º, do art. 32, da Lei 4.591/1964. No polo contrário os compradores, amparados no Código de Defesa do Consumidor, exercem o seu direito de arrependimento e afastam a aplicação das sanções contratuais abusivas decorrentes das cláusulas penais inseridas em tais contratos.


Desse modo, a possibilidade do exercício do direito de arrependimento será verificada sob o prisma da Lei das Incorporações, do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, com o acompanhamento da evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que desencadeou a edição da Lei n. Lei n. 13.786/2018.


2. O CONTRATO DE COMPRA E VENDA SOB O PRISMA DA LEI DE INCORPORAÇÕES


O contrato de compra e venda é o instrumento previsto expressamente no Código Civil que estipula direitos e obrigações para vendedor e comprador, possui como principais características a onerosidade, consensualidade, bilateralidade com tipicidade expressa nos art. 481 a 504.


SÍLVIO DE SALVO VENOSA[1], apresenta o conceito de compra e venda como: “Em singela síntese, a compra e venda pode ser definida como a troca de uma coisa por dinheiro. Nesse contexto, cumpre fixar que inexiste na sociedade moderna contrato mais importante e utilizado. A compra e venda, bem como a locação e a doação, inserem-se nos grupos dos contratos que objetivam a transferência de um bem de um contratante a outro. Sua importância não se prende unicamente à compra e venda propriamente dita, em todas as suas nuanças e modalidades, mas também ao fato de serem aplicados seus princípios na elaboração e interpretação de inúmeros outros contratos que lhe estão próximos e que com ela possuem semelhança em estrutura e efeitos”.



O contrato de aquisição de imóveis em regime de incorporação possui uma série de peculiaridades, que acabam por afastá-lo do conceito e aplicação geral da normatização civilista da compra e venda. De início, teremos a aquisição de uma fração ideal de um imóvel com a expectativa de que, ao longo da relação contratual, venha a ser edificado um empreendimento imobiliário no local.


ARNALDO RIZZARDO[2] sobre a incorporação prescreve:


A finalidade da incorporação está na comercialização das unidades que vão sendo construídas. Trata-se de uma atividade dirigida a negociar frações ideais de um imóvel, sobre as quais se erguerá uma construção, desdobrada em várias unidades internamente autônomas, para a utilização exclusiva dos adquirentes, conjugadas com áreas e equipamentos comuns, com destinação a todos os que habitam ou usam o prédio. Existe, assim, a discriminação das frações ideais, as quais se desdobrarão em uma parte uso exclusivo, e em outra parte para o proveito de todos, cujo tamanho é proporcional à extensão da fração ideal. No entanto, a diferença decimal de grandeza não traz mais vantagens ou direitos no uso, posto que igual para todos, e sempre em vista sobretudo para o uso da unidade exclusiva.


Nesse sentido, ARNALDO RIZZARDO[3] materializa o sinalagma contratual em relação as obrigações das partes na promessa de compra e venda objeto de incorporação imobiliária: “É inerente a este tipo de relação a promessa de compra e venda, porquanto inicia com uma ideia que se materializa em projeto, operando-se entre os contratantes um compromisso de venda de construção e um compromisso de pagar. Constitui a figura que mais se repete, presente na grande maioria das incorporações. O incorporador se compromete a construir, fixando um preço a que chegará a unidade, preço esse que será reajustável ou certo, definido e fechado; compromete-se, também, a entrega-la em um momento situado no tempo; por último, firma a palavra de que efetuará a transferência, mediante um contrato definitivo e a abertura de matrícula do imóvel concluído. Já o adquirente promete adquirir e a pagar o preço estabelecido em prestações. Tudo, pois, é promessa, exigindo um alto grau de confiabilidade e de honradez na palavra materializada em um instrumento escrito. Mesmo que instituídas garantias fidejussórias ou reais no cumprimento do acervo de promessas, não se descaracteriza a índole de promessa de entrega de coisa futura”.


Ademais, a relação jurídica será tutelada pelo Código de Defesa do Consumidor conforme consolidada jurisprudência nacional tendo em vista a marcante presença dos elementos característicos da relação de consumo entre incorporadoras e compradores.



O Superior Tribunal de Justiça[4] reconhece a relação de consumo em demandas que envolvem o debate de promessas de compra e venda na hipótese do regime de incorporação. Veja-se:


RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ATRASO DA OBRA. ENTREGA APÓS O PRAZO ESTIMADO. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. VALIDADE. PREVISÃO LEGAL. PECULIARIDADES DA CONSTRUÇÃO CIVIL. ATENUAÇÃO DE RISCOS. BENEFÍCIO AOS CONTRATANTES. CDC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. OBSERVÂNCIA DO DEVER DE INFORMAR. PRAZO DE PRORROGAÇÃO. RAZOABILIDADE.

1. Cinge-se a controvérsia a saber se é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, a qual permite a prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra.

[...]

4. Aos contratos de incorporação imobiliária, embora regidos pelos princípios e normas que lhes são próprios (Lei nº 4.591/1964), também se aplica subsidiariamente a legislação consumerista sempre que a unidade imobiliária for destinada a uso próprio do adquirente ou de sua família.

[...]

7. Deve ser reputada razoável a cláusula que prevê no máximo o lapso de 180 (cento e oitenta) dias de prorrogação, visto que, por analogia, é o prazo de validade do registro da incorporação e da carência para desistir do empreendimento (arts. 33 e 34, § 2º, da Lei nº 4.591/1964 e 12 da Lei nº 4.864/1965) e é o prazo máximo para que o fornecedor sane vício do produto (art. 18, § 2º, do CDC). 8. Mesmo sendo válida a cláusula de tolerância para o atraso na entrega da unidade habitacional em construção com prazo determinado de até 180 (cento e oitenta) dias, o incorporador deve observar o dever de informar e os demais princípios da legislação consumerista, cientificando claramente o adquirente, inclusive em ofertas, informes e peças publicitárias, do prazo de prorrogação, cujo descumprimento implicará responsabilidade civil. Igualmente, durante a execução do contrato, deverá notificar o consumidor acerca do uso de tal cláusula juntamente com a sua justificação, primando pelo direito à informação. 9. Recurso especial não provido.


Em decorrência desse regime jurídico híbrido norteado pelo Código Civil, Lei n. 4.864/1965 e o Código de Defesa do Consumidor, surgiram diversas problemáticas envolvendo a desistência da compra pelo consumidor em face da suposta irretratabilidade das promessas de compra e venda.


3. DA IRRETRATABILIDADE DA COMPRA E VENDA ANTES DA LEI DO DISTRATO


O § 2º, do art. 32, da Lei 4.591/64, apresenta a irretratabilidade como elemento indissociável da promessa de compra e venda de imóvel submetido ao regime de incorporação:


Art. 32. O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos:

[...]

§ 2o Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra.


Ocorre que, é elemento marcante deste tipo de contrato a assunção pelos compradores da obrigação de pagar por longos prazos, e ninguém está imune as oscilações econômicas e vicissitudes da vida. À vista disso, tornou-se comum demandas judiciais requerendo a rescisão contratual da aquisição de imóveis na planta com fundamento na hipossuficiência financeira do adquirente, decorrente de situações supervenientes que o impossibilitam de realizar o adimplemento das parcelas assumidas perante a incorporadora.


Antes da Lei do Distrato (Lei n. 13.786/2018) a situação era regulamentada por meio de precedentes jurisprudenciais da Corte Cidadã devido à imposição unilateral de incorporadoras, por meio de contratos de adesão, de sanções contratuais abusivas que resultavam na perda integral de todos os valores pagos pelos compradores para formalizar a desistência da compra.



O STJ fixou sua jurisprudência no sentido de relativizar a irretratabilidade desses contratos, autorizando o desfazimento do negócio e a devolução de valores pagos, parcialmente, aos compradores, dando origem à Súmula 543 no ano de 2015:


Súmula 543: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento


A Súmula regulamentou a possibilidade de rescisão contratual em duas situações distintas. A primeira na hipótese de culpa do incorporador, tendo como principais causas o descumprimento do prazo de entrega e atraso nas obras, ou vícios do imóvel que o tornem impróprios para habitação. Neste caso a restituição de valores pagos pelo comprador será integral face o inadimplemento do incorporador ser a causa para o desfazimento da avença.


O STJ[5] também entende pela abusividade da devolução de valores de maneira parcelada apenas ao término da obra, ou seja, sendo ou não a incorporadora parte infratora do contrato, deverá restituir os pagamentos na integralidade em parcela única:


É abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes.


Na segunda situação, ou seja, em hipótese de rescisão motivada pelo arrependimento do comprador, que tem como principais motivos a recusa do recebimento do imóvel; a negativa de obtenção de financiamento junto a instituições financeiras (para quitação do saldo devedor na entrega das chaves); e a impossibilidade financeira de honrar com os parcelamentos, a incorporadora poderá reter apenas parte dos pagamentos realizados.


Com efeito, o STJ[6] limitava tais retenções entre os percentuais de 10% a 25% dos valores pagos pelo comprador, variando de acordo com o caso concreto por meio de aplicação do princípio da proporcionalidade:


É entendimento pacífico nesta Corte Superior que o comprador inadimplente tem o direito de rescindir o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel e, consequentemente, obter a devolução das parcelas pagas, mostrando-se razoável a retenção de 20% dos valores pagos a título de despesas administrativas, consoante determinado pelo Tribunal de origem. 3 - Esta Corte já decidiu que é abusiva a disposição contratual que estabelece, em caso de resolução do contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, a restituição dos valores pagos de forma parcelada, devendo ocorrer a devolução imediatamente e de uma única vez.


O Tribunal de Justiça de São Paulo também editou a Súmula 01 aplicada ao Direito Privado autorizando a rescisão contratual das promessas em regime de incorporação:


Súmula 1: O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.


Obviamente que as posições jurisprudenciais encontraram forte resistência por parte das incorporadoras levando em consideração que tais rescisões oneravam significativamente o risco do empreendimento e flexibilizavam a irretratabilidade contratual inerente a este tipo de negócio.


4. A LEI DO DISTRATO E A MITIGAÇÃO DA IRRETRATABILIDADE DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA


Com a finalidade de materializar em um corpo normativo a criação jurisprudencial envolvendo os litígios entre incorporadoras e compradores de imóveis foi editada a Lei n. 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato, que regulamentou as hipóteses de desfazimento de contratos envolvendo imóveis adquiridos sob o regime da incorporação imobiliária.


A principal contribuição do ponto de vista dos compradores foi a inclusão do art. 67-A na Lei n. 4.591/1964 prevendo expressamente os tetos máximos de retenção dos valores pagos na hipótese de desfazimento do negócio.



Consequentemente surgiu uma preocupação no setor da incorporação no sentido de que a supracitada legislação teria incluído a possibilidade do direito de arrependimento nos contratos de compra e venda de imóveis, contrariando expressamente o § 2º, do art. 32, da Lei 4.591/64.


Sobre a insegurança jurídica que tal direito pode apresentar leciona MELHIM NAMEM CHALHUB[7]: “De outra parte, a eventualidade de desfazimento do contrato de incorporação mediante simples manifestação de arrependimento de algum contratante pode desfalcar a base do negócio e pode prejudicar a comunidade de adquirentes, na sua totalidade, sendo, por isso mesmo, incompatível com o sistema de proteção do adquirente, seja à luz da legislação especial sobre loteamento e incorporação, seja à luz do CDC, na medida em que poderia contribuir para a frustração da finalidade social e econômica do contrato de incorporação. Recorde-se que a finalidade do contrato de incorporação é comum a todos os adquirentes e essa finalidade é incindível, daí porque a conduta individual de cada adquirente interessa a todos os demais e repercute sobre toda a comunidade de adquirentes”.


Por conseguinte, surgiu a corrente doutrinária no sentido de que não é admissível a desistência imotivada do comprador, pois admitir tal prática traria sério prejuízo à coletividade de adquirentes que optam por manter a relação contratual, e se submetem ao risco da frustração do empreendimento frente à desistência dos demais compradores.


MELHIM NAMEM CHALHUB[8], assevera o problema de permitir a desistência imotivada de tais contratos: “Além disso, vista a questão especificamente sob a perspectiva do contrato de incorporação, fica claro que uma eventual permissão legal de desfazimento imotivado se contrapõe à estrutura, ao escopo e à economia do contrato, seja porque interfere na base do negócio podendo tornar incerta a realização do contrato, na medida em que o fluxo de recursos destinado à obra estaria aleatoriamente sujeito a ser desfalcado ou interrompido em razão de suspensão de pagamento por parte de adquirentes desistentes, seja porque o desfazimento implicaria restituição imediata da quantia paga, restituição essa que, no caso do contrato de incorporação, só é viável após a alienação da unidade do adquirente desistente, pois as quantias pagas pelos adquirentes são imediatamente convertidas em pedra e cal, sendo materialmente impossível sua reconversão imediata em dinheiro, para atender a pretensão de restituição do desistente, como previsto no inciso II do art. 20” do CDC”.


Desse modo, esta posição sustenta que a desistência imotivada unilateral do contrato de incorporação extrapola a esfera de interesses da relação jurídica entre adquirente e incorporadora, afetando diretamente o fluxo financeiro do empreendimento, gerando risco de frustração à comunidade de compradores que cumprem as obrigações contratuais, ainda que estranhos ao vínculo negocial entre a empresa e a parte desistente.


A segunda corrente defende, a luz do Código de Defesa do Consumidor, que o desfazimento do negócio seria direito potestativo do Consumidor, podendo este requisitar o distrato imotivado.


CARLOS ROBERTO GONÇALVES[9], ao comentar sobre a natureza do direito potestativo demonstra o dever de sujeição ao exercício deste: “O ato jurídico é potestativo, isto é, o agente pode influir na esfera de interesses de terceiro, quer ele queira, quer não. De modo geral, o destinatário da manifestação da vontade a ela não adere, como na notificação, por exemplo. Às vezes, nem existe destinatário, como na transferência de domicílio. Trata-se de atos a que a ordem jurídica confere efeitos invariáveis, adstritos tão somente ao resultado da atuação. Alguns autores os denominam atos materiais ou reais, neles incluindo a ocupação, a fixação e transferência de domicílio, a percepção de frutos, etc”.


O reconhecimento ao direito potestativo da desistência da compra na incorporação imobiliária é adotado pelo Superior Tribunal de Justiça[10]:


PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL COM DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS. INADIMPLEMENTO DO COMPRADOR. INTERESSE PROCESSUAL. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. DIREITO POTESTATIVO DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. DIREITO DE RETENÇÃO DO VENDEDOR. PERCENTUAL DE 25% ADEQUADO E SUFICIENTE. INDENIZAÇÃO DE DESPESAS GERAIS. ART. 11 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO STF. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "a despeito do caráter originalmente irretratável da compra e venda no âmbito da incorporação imobiliária (Lei 4.591/1964, art. 32, § 2º), a jurisprudência do STJ, anterior à Lei 13.786/2018, de há muito já reconhecia, à luz do Código de Defesa do Consumidor, o direito potestativo do consumidor de promover ação a fim de rescindir o contrato e receber, de forma imediata e em pagamento único, a restituição dos valores pagos, assegurado ao vendedor sem culpa pelo distrato, de outro lado, o direito de reter parcela do montante ( Súmula 543/STJ)" - ( REsp 1.723.519/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 28/8/2019, DJe de 2/10/2019).

2. A Segunda Seção do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.723.519/SP (Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI), consolidou o entendimento de que, na rescisão de contrato de compra e venda de imóvel por desistência do comprador, mesmo anteriormente à Lei 13.786/2018, deve prevalecer o percentual de 25% (vinte e cinco por cento) de retenção pelo fornecedor, tal como definido no julgamento dos EAg 1.138.183/PE (Rel. Ministro SIDNEI BENETI, DJe de 4.10.2012), por ser esse percentual adequado e suficiente para indenizar o construtor das despesas gerais e do rompimento unilateral do contrato.

3. Fica inviabilizado o conhecimento de tema trazido na petição de recurso especial, mas não debatido e decidido nas instâncias ordinárias, porquanto ausente o indispensável prequestionamento. Aplicação das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e dar parcial provimento ao recurso especial.


Desse modo, prevalece na jurisprudência que a retenção dos percentuais de 25%, ou 50% na hipótese de patrimônio de afetação, é suficiente para compensar o incorporador, transferindo o risco na equação econômico-financeira do empreendimento a este, que deverá se organizar no sentido de manter capital suficiente para sustentar possíveis distratos imotivados durante a fase edificação.



ARNALDO RIZZADO[11], entende que a delimitação fixa de um percentual pode criar uma desproporcionalidade, pois pode se revelar insuficiente ou exarada a depender do caso concreto: “Na verdade, deveras singela a solução acima adotada, eis que o percentual de 25%, considerado como apropriado para a cobertura dos custos exigidos na execução e administração, tanto pode refletir um quantitativo exacerbante como uma quantia irrisória. Se a finalidade é evitar injustiças, e impedir o enriquecimento sem causa, o único caminho coerente e apto está na perícia, que aferirá, também, o desgaste no imóvel causado pelo seu uso”.


À vista disso, percebe-se que o legislador optou por aplicar uma solução mais temperada, pois submeter todo e qualquer processo de rescisão contratual a uma perícia de alta complexidade criaria limites ao acesso à jurisdição dos compradores, tendo em vista a necessidade de adimplir vultosos honorários periciais com a finalidade de quantificar o percentual de retenção de acordo com o caso concreto.


5. CONCLUSÃO


O reconhecimento ao direito potestativo de distratar dispensa o ônus da prova da impossibilidade econômica de pagamento por parte do comprador, incluindo, por via reflexa, o direito de arrependimento nos contratos de aquisição de imóvel na planta, relativizando § 2º, do art. 32, da Lei 4.591/64, relegando a irretratabilidade do contrato apenas ao incorporador.


Ainda que tal prática gere risco ao empreendimento, decorrente da necessidade de devolução parcial dos valores pagos pela empresa, é difícil a ocorrência prática de incorporações que são frustradas pela realização de distratos com compradores, pois estes representam uma parcela pequena no horizonte de adquirentes, não se revelando desproporcional a possibilidade de conceder o direito de arrependimento visto que a retenção de 25% ou 50% é suficiente para indenizar pelo prejuízo.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CHALHUB, Melhim Namen. Da incorporação imobiliária. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.


GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral – v. 1. 20ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.


RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.


VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2021.

___________

[1] Direito Civil: contratos, p.241 [2] Condomínio edilício e incorporação imobiliária, p.506 [3] Condomínio edilício e incorporação imobiliária, p.507 [4] STJ - REsp: 1582318 RJ 2015/0145249-7, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 12/09/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/09/2017. [5]AgRg no AREsp525955 SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em: 05/08/2014, DJe 04/09/2014) [6] RCDESP no AREsp 208018 SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 05/11/2012. [7] Da Incorporação Imobiliária, p. 331 [8] Da Incorporação Imobiliária, p. 332 [9] Direito Civil Brasileiro, v. 1 – p. 407 [10] STJ - AgInt no REsp: 1883209 SP 2020/0166639-3, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 21/03/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/04/2022. [11] Condomínio edilício e incorporação imobiliária, p.607


 
 
 

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