O limite temporal da multa de 50% no distrato sob o regime de afetação
- Tiago Andrade
- 4 de nov. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 12 de mar. de 2023

É de conhecimento dos advogados que labutam em demandas de distrato contra incorporadas que a multa pela desistência da compra, por culpa do consumidor, poderá ser majorada em 50% dos valores pagos, nos termos do art. 67-A, § 5º, da Lei 4.591/1964:
Art. 67-A. Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:
[...]
II - a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.
[...]
§ 5º Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindose, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga.
§ 6º Caso a incorporação não esteja submetida ao regime do patrimônio de afetação de que trata a Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004, e após as deduções a que se referem os parágrafos anteriores, se houver remanescente a ser ressarcido ao adquirente, o pagamento será realizado em parcela única, após o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data do desfazimento do contrato.
Tal previsão legal tem sido deturpada por incorporadoras, que aplicam a supracitada multa de forma indiscriminada, sem qualquer limite temporal, inclusive em pedidos de distrato feitos por consumidores após a extinção do regime de afetação da incorporação.
Inicialmente chamo atenção para o fato de que nunca foi intenção do legislador permitir a majoração da multa para 50% com a finalidade de proteger ou beneficiar incorporadoras.
Entendimento que se extrai do relatório do projeto substitutivo de relatoria do Deputado José Stédile ao Projeto de Lei[1] que originou a Lei 13.786/2018. O objetivo do tratamento diferenciado ao regime de afetação, que autoriza o aumento da cláusula penal de 25% para 50% de retenção, teve por fundamento proteger o interesse dos consumidores adquirentes. Veja-se:
Vê-se, portanto, que os recursos integrantes do patrimônio não são livremente disponíveis e se destinam, prioritariamente, à entrega das unidades imobiliárias. Não se pode desfalcar o patrimônio – de interesse da coletividade de condôminos – priorizando a restituição de valores, de forma imediata e corrigida, justamente àqueles adquirentes que não têm mais interesse na consecução da obra. Essa questão já constava, aliás, da própria Justificativa do Projeto de Lei nº 2.109, de 1999 (convertido na Lei nº 10.931, de 2004), da seguinte forma “A segregação se justifica porque, em regra, parte ponderável de uma incorporação imobiliária sustenta-se com os recursos financeiros entregues ao incorporador pelos adquirentes ou por eventual financiador da obra”
Por consequência, dentro do bem jurídico maior que deve ser a proteção dos consumidores que se mantêm no empreendimento, e, portanto, querem efetivamente cumprir e ver cumpridos seus contratos, a função social do contrato exige que a devolução de valores àqueles que desistem do negócio realizado deva ocorrer após a conclusão das obras, com encerramento do patrimônio de afetação.
Com efeito, a doutrina de Arnaldo Rizzardo esclarece que o sustentáculo da majoração da multa tem por escopo assegurar a viabilidade e concretização da incorporação aos demais compradores, mitigando o risco dos adquirentes que optam por continuar com a relação contratual. A expressividade da clausula penal se justifica em razão da sua destinação para a conclusão da obra, ou seja, não será transferida ao incorporador mas aplicada em benefício da coletividade de consumidores adquirentes:
A pena convencional, ou montante da retenção pelo incorporador, será, então, de até 50%. Justifica-se o aumento pela razão de não se transferirem os valores e bens ao incorporador, já que utilizados unicamente no empreendimento. Impõe-se este agravamento, também, para assegurar a viabilidade da incorporação, já que sofre, com a desistência ou distrato, uma defasagem nos recursos para a sua concretização. (Rizzardo, Arnaldo Condomínio edilício e incorporação imobiliária. – 8. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2021. Pág. 609).
Portanto, concluída a obra com a consequente extinção do regime de afetação, não é possível admitir que a incorporadora insista na aplicação da retenção do percentual de 50% dos valores pagos em virtude de inexistir interesse da coletividade de condôminos ou qualquer finalidade protetiva aos demais consumidores adquirentes, pois estes já foram imitidos na posse dos imóveis com a conclusão da fase de edificação e a extinção da afetação.
Exatamente por isso a legislação impõe que a restituição dos valores pagos na hipótese de desfazimento da compra durante o regime de afetação, terá o termo final de 30 dias após o habite-se:
Art. 67-A. Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:
[...]
II - a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.
[...]
§ 5º Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindo-se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga.
Desse modo, é incompatível com a intenção do legislador aplicar a multa de 50% dos valores pagos pelo comprador após o habite-se ou entrega das chaves, pois a cláusula penal será revertida em benefício exclusivo da incorporadora, levando em conta que aquela poderá renegociar imediatamente a unidade objeto da resolução, já concluída, e absorver para si todo o proveito econômico auferido pela aplicação da cláusula penal adicionado da valorização imobiliária da unidade.
Portanto, após o habite-se deve ser aplicada a regra geral que permite a retenção de apenas 25% dos valores pagos, nos termos do inciso II do art. 67-A da Lei 4.591/1964, pois não mais subsiste a necessidade de tutelar interesse da coletividade de condôminos ou proteção aos consumidores adquirentes no tocante à conclusão do empreendimento.
À vista disso, forçoso reconhecer que a aplicação e o pagamento da multa de 50% têm como termo final a data do habite-se, com prazo máximo de pagamento em 30 dias, extrapolado o prazo, o contrato deverá ser regido pela cláusula geral de 25% prevista no art. 67-A, II, da Lei 13.786/2018.
Portanto, é prática abusiva a aplicação indefinida da multa de 50% prevista no §5º do art. 67-A da Lei 4.591/1964, devendo ser reduzida para 25% conforme o inciso II do art. 67-A da Lei 4.591/1964, após a data de expedição do habite-se pelo Município. Caso contrário, estaremos admitindo o enriquecimento sem causa da incorporadora que estará se utilizando de norma protetiva ao consumidor para agravar as retenções nas hipóteses de desistência de compra de imóvel na planta.
[1] Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1631713&filename=SBT+1+CDC+%3D%3E+PL+1220/2015>